E SIGA A FARRA

O Presidente angolano, João Lourenço, disse hoje, num debate com o seu homólogo português, que as relações de amizade e cooperação entre os dois países estão num “nível bastante alto”, sublinhando que os relacionamentos pessoais ajudam a que isso aconteça.

“Tive a felicidade de durante este meu primeiro mandato termos sabido manter a um nível bastante alto as relações de amizade e cooperação entre os nossos dois países, entre Angola e Portugal, a todos os níveis, incluindo a nível pessoal, não obstante, no caso de Portugal o chefe de Estado ser de uma família política e o primeiro-ministro ser de outra”, afirmou João Lourenço, num debate virtual com Marcelo Rebelo de Sousa, no âmbito do Fórum Euro-África

Isto porque, recorde-se, o Presidente de Angola (João Lourenço) é do MPLA, tal como o Titular do Poder Executivo (João Lourenço) é do MPLA e, ainda, o Presidente do MPLA ser… João Lourenço.

“Isto não terá ofuscado de forma nenhuma as boas relações que Portugal está a conseguir manter com Angola e Angola com Portugal”, reforçou João Lourenço, convicto de que é uma posição comum ao Presidente do seu partido e ao chefe do seu Governo.

Para o chefe de Estado angolano, aliás, as relações pessoais das lideranças políticas ajudaram a que se construísse o bom nível das relações entre os dois países. Tem razão. Aliás, o MPLA é “unha com carne” com todos os principais partidos portugueses, casos do PSD (Rui Rio), PCP (Jerónimo de Sousa), passando pelo CDS (José Rodrigues dos Santos) e até com a sua mais recente conquista, Cataria Martins do Bloco de Esquerda.

“As relações pessoais também ajudam. Portanto, nós soubemos construir ao longo dos anos essa mesma relação com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e com o primeiro-ministro António Costa”, salientou. Então com Marcelo é uma relação de quase “beijo na boca”. Recorde-se que Marcelo foi o primeiro a felicitar João Lourenço pela vitória eleitoral, mesmo antes de os resultados oficiais terem sido divulgados.

João Lourenço apontou como exemplo que, no seu entender, retrata as boas relações entre os dois países, a ajuda oferecida pelo Governo português para que Angola consiga alcançar o compromisso que assumiu com os angolanos de proceder à exumação dos corpos das vítimas dos massacres de 27 de Maio de 1977, levados a cabo pelo único herói nacional (segundo MPLA) e velho amigo dos socialistas e comunistas portugueses, Agostinho Neto.

“Devo dizer que em Maio do corrente ano, nós anunciamos que iríamos dar início à exumação dos restos mortais das vítimas do 27 de Maio. E dois ou três dias depois o primeiro-ministro de Portugal ligou para mim a oferecer os seus préstimos, de técnicos especialistas que Portugal tem neste domínio, o que foi imediatamente aceite”, referiu Lourenço.

“Portanto, um pequeno episódio para reflectir o nível das relações entre os nossos países”, concluiu João Lourenço, passando ao lado de qualquer referência ao seu venerado ídolo e responsável por esse genocídio no qual, aliás, também foram assassinados portugueses.

O debate entre os Presidentes da República português e angolano, em formato digital, foi o ponto alto da 4.ª edição do Fórum Euro-África, que começou na quarta-feira e terminou hoje, numa iniciativa do Conselho da Diáspora Portuguesa, presidido por António Calçada.

O Conselho da Diáspora Portuguesa é uma rede mundial portuguesa fundada em 2012 e que tem como principal objectivo a valorização da marca, imagem e reputação de Portugal. Actualmente conta com 90 conselheiros, que trabalham em diferentes campos, desde a cultura à economia, passando pela cidadania e ciência. Estes conselheiros estão espalhados por 27 países, 47 cidades e cinco continentes.

O debate centrou-se na cooperação entre Europa e África, e nas relações económicas entre os dois continentes.

A agenda do fórum incluiu sete painéis: Perspectivas sobre Economia para a Europa e África após o Acordo de Comércio Livre, Trabalho Digital e Plataformas e Tecnologias Digitais, A Revolução da ID Digital, Abrir caminho para o Crescimento Verde e Transições Inclusivas, Cultura e Mercado, e Media e Digitalização.

Entre os oradores estiveram empresários, activistas, líderes, decisores públicos e privados, e outros agentes que deram o seu contributo para o diálogo entre a África e a Europa.

Vergonha? Isso é que era bom

Logo no início deste ano, Marcelo Rebelo de Sousa, disse, numa mensagem gravada para a RTP África, que é preciso “ultrapassar rapidamente” as desigualdades e injustiças do “terrível ano” que acabou, manifestando “confiança” num melhor 2021. Em Angola, lembremos, foi “apenas” um dos muito terríveis anos para 20 milhões de pobres.

“É preciso ultrapassar rapidamente 2020, é preciso ultrapassar rapidamente a pandemia, é preciso ultrapassar rapidamente o que há de pior, de mais profundo, desigual e injusto na crise económica e social”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

“Isto aplica-se a todo o mundo, aplica-se ao mundo que fala português, à comunidade que integramos, àqueles de entre nós que estão espalhados pelos nossos Estados, um pouco por toda a parte”, disse, classificando como “terrível” o ano que terminou.

Para o Presidente da República portuguesa este “foi um ano difícil por causa da pandemia, da crise económica e social, das barreiras entre povos, do fechar de fronteiras e do aumento das desigualdades, das injustiças no mundo”.

Numa nota optimista, expressou “esperança” e “confiança” em 2021, endereçando às populações dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) “um abraço universal falando português”. “Acreditamos num melhor 2021. Vamos todos construí-lo em conjunto”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

Ao contrário do que fazem outros povos, os portugueses têm por hábito deixar para depois de amanhã o que deveriam ter feito ontem. Não existe uma conjugação estratégica de objectivos. Cada um rema para o seu lado e, é claro, assim o barco comum (a Lusofonia) não chega a nenhum porto.

Há projectos sobrepostos, e muitas áreas onde ninguém chega. Ninguém não é verdade. Chegam os amigos dos donos do poder, ou sejam os do PS e do PSD em Portugal, do MPLA em Angola, da FRELIMO em Moçambique etc..

É claro que o futuro de Portugal passa também, diríamos essencialmente, por África. Acontece que, nesta altura, a União Europeia continua a mandar muito dinheiro para Portugal. E, ao contrário de outros tempos, Lisboa não está interessada em dar luz ao mundo.

Ao contrário de muitos outros países que estão na UE mas também em África, Portugal está adormecido com o sonho europeu, esquecendo que a sua História está também e sobretudo em África. De vez em quando, quando aparece um qualquer tsunami, Portugal acorda. No entanto e por enquanto nada faz Lisboa perceber que o regime de Angola é uma coisa bem diferente de Angola e, sobretudo, dos angolanos.

Por isso, quando os habitantes (socialistas, sociais-democratas, democratas-cristãos, comunistas e oportunistas) das ocidentais praias lusitanas acordarem vão ter um enorme pesadelo. Portugal ainda não percebeu que foi o «pai» mas que os «filhos» já são independentes. Os países africanos ainda não compreenderam que o «pai» errou em muitas coisas mas que não é por isso que deixou de ser «pai».

A Lusofonia, essa realidade que em muito ultrapassa os 250 milhões de cidadãos em todos os cantos do planeta, parece condenada a ser ultrapassada, ou até mesmo aniquilada, por qualquer outra fonia.

Tudo porque Portugal, mais do que dar nova luz ao Mundo, parece preocupado apenas com os limites físicos das ocidentais praias lusitanas. Portugal não pode (ou, pelo menos, não deve) esquecer que tem responsabilidades na defesa e na dignificação de povos que (ainda) nascem, crescem e morrem a sentir em português.

Esquecer, ou lembrar uma vez por ano, todos aqueles que dão corpo e alma à Lusofonia não passa de um vil crime. E é um crime porque, afinal, é preciso que Portugal (também) trabalhe para os milhões que têm pouco e não, como vai acontecendo cada vez mais, para os poucos que têm milhões.

Parafraseando Luís de Camões, em português se canta o peito ilustre lusitano e, na prática, importa recordar que a ele obedeceram Neptuno e Marte. Além disso, importa dizê-lo, manda cessar (se para tal todos os lusófonos tiverem engenho e arte) «tudo o que a Musa antiga canta».

Quando será que, de forma consciente e consistente, Portugal entenderá que «outro valor mais alto se alevanta»?

Por culpa (mesmo que inconsciente) dos poucos que não vivem para servir e que, por isso, não servem para viver, continuam os milhões que se entendem em português a comer e a calar, amordaçados pela mesquinhez dos que se julgam detentores da verdade.

É claro que, como em tudo na vida, não faltarão os que dirão que não é possível entregar a carta a Garcia. Dirão isso e, ao mesmo tempo, apontarão a valeta mais próxima. A História do Mundo desmente-os. A História de Portugal desmente-os. Além disso, não custa tentar o impossível, desde logo porque o possível fazemos nós todos os dias.

Mas não será com esses que se fará a História da Lusofonia apesar de, reconhecemos, muitos deles teimarem em flutuar ao sabor de interesses mesquinhos e de causas que só se conjugam na primeira pessoa do singular.

Para nós a Lusofonia deveria ser um desígnio de todos quantos têm uma história em comum. Defender esta tese é, provavelmente, pregar para os bagres. Mas, cremos, vale a pena continuar a lutar. Lutar sempre, apesar da indiferença de (quase) todos os que podiam, e deviam, ajudar a Lusofonia.

Cá estamos para ver, esperando que não se repita a história do burro que quando estava quase a saber viver sem comer… morreu.

E se cá estamos para ver, também cá estaremos para dizer quem foram os que estavam a cantar no convés enquanto o navio se afundava. Resta-nos acreditar (continuar a acreditar) que a Lusofonia pode dar luz ao Mundo e que, por isso, não há comparação entre o que se perde por fracassar e o que se perde por não tentar.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

Leave a Comment